Nesta semana, foi concluída uma etapa importante da Política Nacional Aldir Blanc: os pagamentos das capitais habilitadas no segundo ciclo foram finalizados. Os repasses ultrapassam R$ 294 milhões, destinados a investimentos diretos na cultura brasileira. A partir de agora, inicia-se o pagamento aos demais municípios, com a previsão oficial de que até janeiro de 2026 os recursos estejam disponíveis nas contas de todas as cidades habilitadas.
Do ponto de vista institucional, o anúncio reforça a PNAB como um marco na nacionalização das políticas culturais, garantindo continuidade de apoio a trabalhadores da cultura, entidades e projetos em todo o território nacional. No entanto, quando observamos o processo a partir da realidade de quem está na ponta — produtores, artistas e coletivos — o cenário se mostra mais complexo.
Muitos agentes culturais têm manifestado revolta e frustração, especialmente quando comparam o modelo atual ao de anos anteriores. Em ciclos passados, os repasses eram feitos diretamente aos municípios, o que, na prática, tornava o fluxo mais ágil. Na PNAB II, o repasse passa pelos estados, acrescentando novas camadas burocráticas, etapas administrativas e, consequentemente, atrasos na chegada do recurso final.
É fundamental compreender que as dificuldades do novo ciclo da Política Nacional Aldir Blanc não decorrem apenas de burocracia, mas de uma mudança estrutural na natureza da política pública. Nos ciclos anteriores da Política Nacional Aldir Blanc, os recursos eram transferidos diretamente da União para estados, municípios e Distrito Federal por meio do modelo conhecido como fundo a fundo, previsto inicialmente na Lei nº 14.017/2020 e consolidado pela Lei nº 14.399/2022. Esse formato sempre teve como objetivo a descentralização da política cultural, permitindo que a aplicação dos recursos fosse definida maispróxima das realidades locais, a partir dos Planos de Ação e do diálogo com a sociedade civil.
Portanto, a mudança recente não representa o fim do repasse direto em si, mas uma reconfiguração das condições que regulam esse repasse. O que se altera, de forma substancial, é a introdução de critérios de desempenho, condicionalidades e mecanismos mais rigorosos de controle. Esses ajustes surgem como resposta a problemas identificados nos ciclos anteriores, nos quais diversos municípios receberam os recursos, mas não conseguiram executá-los dentro dos prazos legais, resultando em devoluções à União ou bloqueio de novos repasses. A partir disso, a legislação passa a exigir a execução mínima de parte dos recursos — ao menos 60% — como condição para habilitação em ciclos seguintes, vinculando o repasse à efetiva realização das ações culturais.
Além disso, as mudanças reforçam o caráter permanente da PNAB como política pública de Estado. Ao prever recursos de fluxos contínuos, a política deixa de operar sob lógica emergencial e passa a exigir planejamento plurianual, inserção nos instrumentos orçamentários municipais e estruturação mais sólida dos sistemas locais de cultura, como a criação e fortalecimento de fundos específicos. Soma-se a isso o fortalecimento dos mecanismos de responsabilização e transparência, com maior exigência de prestação de contas baseada na execução real dos projetos e não apenas no cumprimento formal de etapas burocráticas.
Em síntese, o repasse direto permanece como princípio, mas agora está condicionado a uma gestão mais eficiente, planejada e transparente. A intenção central dessas mudanças é fortalecer o Sistema Nacional de Cultura, reduzir a sub execução de recursos públicos e garantir que o fomento cultural cumpra sua finalidade pública de forma contínua e estruturante.
O Ministério da Cultura, por meio da Portaria nº 200, é clara ao estabelecer que o agente cultural passa a ser enquadrado como prestador de serviço. O Art. 3º e o Art. 4º, estabelecem que os recursos da PNAB são destinados à execução de ações culturais com finalidade pública, vinculadas a metas, objetivos e resultados. É aqui que ocorre a virada conceitual, ou seja, o recurso não é auxílio, não é benefício assistencial, é fomento condicionado à entrega.
Os art. 8º, 9º e 10º, tratam da execução do objeto, da responsabilidade do agente cultural e da necessidade de cumprir exatamente o que foi aprovado no plano de trabalho. Isso caracteriza juridicamente uma relação de obrigação de fazer.
Os art. 18 ao Art. 24 (prestação de contas e responsabilização), deixam claro que:
- o agente cultural responde pela execução
- pode haver glosa, devolução de recursos
- pode haver sanções e impedimentos futuros
Embora a Portaria nº 200 não utilize expressamente o termo ‘prestador de serviço’, ela estabelece um regime de fomento condicionado à execução de ações culturais, o que, na prática, reposiciona o agente cultural como executor de política pública, com deveres, responsabilidades e possibilidade de sanções em caso de descumprimento.” Aqui fica claro o agente não recebe “apoio livre”, mas executa uma ação pública pactuada.
E é por isso que tribunais de contas, procuradorias e gestores já estão tratando o agente cultural como executor de política pública, e não mais como beneficiário emergencial.
Esse novo enquadramento implica uma mudança significativa de postura: não se trata mais apenas de receber apoio, mas de executar um serviço público cultural com responsabilidades formais. Com isso, os deveres do produtor cultural aumentam. Projetos precisam ser executados conforme o que foi aprovado, metas devem ser cumpridas, prazos respeitados e a contrapartida social efetivamente realizada. O não cumprimento do que foi proposto pode gerar sanções, devolução de recursos e impedimentos em futuros editais.
Esse novo momento exige mais preparo, mais planejamento e mais responsabilidade. A profissionalização deixa de ser uma escolha e passa a ser uma exigência. A PNAB II inaugura uma fase em que cultura não é mais tratada como exceção emergencial, mas como política estruturante, com direitos — e deveres — claramente definidos. Reconhecer isso é essencial tanto para gestores públicos quanto para agentes culturais que desejam permanecer ativos, competitivos e regulares no sistema de financiamento cultural.
Esse aumento da burocracia não é apenas um detalhe técnico. Ele impacta diretamente quem vive da produção cultural. Enquanto o recurso percorre trâmites institucionais, quem sustenta o setor fica em suspensão: projetos parados, equipes sem previsão de contratação, cronogramas comprometidos e uma cadeia produtiva inteira aguardando definições. O maior prejudicado nesse processo é, sem dúvida, o produtor cultural.
É justamente por isso que o momento exige estratégia. Independentemente dos atrasos ou da complexidade do fluxo, os editais virão. E quando eles forem publicados, o prazo de inscrição tende a ser curto. Esperar o edital sair para começar a escrever um projeto é assumir um risco alto demais.
Os agentes culturais que pretendem disputar esses recursos já devem ter seus projetos prontos. Estrutura conceitual, objetivos, justificativa, orçamento, cronograma e contrapartidas precisam estar pensados com antecedência. Quando o edital do município ou do estado for lançado, o trabalho deve ser apenas de adequação às regras específicas, não de criação do zero.
A PNAB não é uma política de improviso. Ela exige maturidade técnica, organização e leitura atenta do contexto. Em um cenário onde a burocracia aumentou e os prazos ficaram mais instáveis, antecipação é proteção.
Um alerta essencial aos gestores: a contratação de assessoria técnica
Outro ponto fundamental — e ainda negligenciado por parte de alguns municípios — é a contratação de assessoria técnica especializada para a execução da Política Nacional Aldir Blanc. A legislação é clara: até 5% do recurso pode (e deve) ser destinado à contratação de assessoria técnica, justamente para garantir a continuidade dos processos, a organização administrativa, a correta aplicação dos recursos e maior transparência na condução das etapas — da oitiva à prestação de contas.
Esse dispositivo legal não existe por acaso. A assessoria técnica atua como um fator de proteção institucional, tanto para o gestor quanto para os agentes culturais. Ela organiza fluxos, orienta juridicamente, estrutura editais, padroniza critérios e reduz erros que, mais adiante, podem gerar questionamentos, judicializações ou devolução de recursos.
É importante dizer com clareza: a contratação de assessoria técnica não garante, por si só, total transparência. No entanto, ela dificulta significativamente práticas de manipulação, improvisos administrativos e decisões arbitrárias. Onde há técnica, registro e metodologia, o espaço para desvios diminui.
Municípios que ainda não contrataram assessoria técnica estão assumindo um risco alto, tanto do ponto de vista legal quanto político e social. Além disso, sobrecarregam equipes internas que, muitas vezes, não têm formação específica para lidar com a complexidade da PNAB.
Portanto, este é um alerta direto ao gestor público: não contratar assessoria técnica não é economia — é fragilização do processo. Em uma política nacional que envolve altos valores, prazos sensíveis e impacto direto na vida de milhares de trabalhadores da cultura, a técnica não é opcional. Ela é parte da responsabilidade pública.
Mais do que nunca, é fundamental que os agentes culturais acompanhem os comunicados oficiais, participem das oitivas, cobrem transparência e se mantenham organizados. A política pública está em curso, os recursos existem, mas o acesso a eles depende de preparo.
A PNAB se consolida como política estruturante, sim — mas sua efetividade real passa, necessariamente, pela capacidade dos trabalhadores da cultura de se posicionarem, se organizarem e estarem prontos quando a oportunidade se apresenta. Em tempos de atraso e excesso de burocracia, planejar deixou de ser diferencial: virou sobrevivência.
Em resumo: A Política Nacional Aldir Blanc entrou em uma nova fase — e quem continuar operando com a lógica do improviso ficará para trás. O tempo em que bastava ter uma boa ideia e esperar o recurso cair na conta acabou. A PNAB não é mais uma política de socorro: é um sistema estruturado, com regras, responsabilidades e consequências reais.

Em 2026, não haverá espaço para amadorismo, desinformação ou vitimização permanente. O agente cultural que não compreender seu papel como executor de política pública — que não se organizar, não se profissionalizar e não assumir o compromisso com aquilo que propõe — correrá o risco de ficar fora do jogo, não por falta de recurso, mas por falta de preparo.
Os recursos existem. Os editais virão. O que está em disputa agora não é apenas dinheiro, mas capacidade técnica, leitura de contexto e maturidade institucional. Quem entende esse movimento se antecipa, estrutura seus projetos e ocupa o lugar que lhe cabe. Quem insiste em reagir apenas quando o edital abre, seguirá reclamando dos atrasos enquanto perde oportunidades.
A PNAB exige posicionamento. Planejar deixou de ser escolha. Profissionalizar-se deixou de ser diferencial. Estar pronto deixou de ser virtude — passou a ser condição mínima de sobrevivência no campo cultural.
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