Os Caminhos da PNAB: entre os prazos, a gestão e a formação cultural

Uma conversa sobre desafios, aprendizados e a urgência da capacitação na política cultural brasileira

Nos últimos meses, a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) tem sido pauta constante entre gestores, artistas e fazedores de cultura. O momento é de expectativa e de cautela. A liberação dos recursos, os prazos curtos e as novas diretrizes dessa lei — que agora assume caráter de política pública permanente — têm levantado reflexões sobre a capacidade de execução e o preparo dos municípios para aplicar os recursos de forma eficiente e transparente.

Em uma conversa com o Superintendente de Projetos da Fundação Cultural de Criciúma Ismail Ahmad Ismail Superintendente de Projetos um gestor cultural com mais de 15 anos de experiência em políticas públicas, surgiram pontos fundamentais para compreender esse cenário de transição e os desafios práticos da implementação da Política Nacional Aldir Blanc – PNAB.

 A corrida contra o tempo: prazos e limites operacionais

Ao falar sobre os recursos da PNAB, ele foi enfático: é praticamente impossível operacionalizar tudo ainda neste ano. Destacou:

“Nos municípios menores até pode ser possível lançar o edital, mas lançar, pagar e executar dentro do mesmo exercício é inviável. Os pagamentos começam no dia 24 de novembro — e até que todos os municípios recebam, o prazo já estará apertado. Diante disso, o mais aconselhável, ainda que não seja o ideal, é deixar para lançar os editais no próximo ano.”

A observação reflete a realidade da gestão pública brasileira: a burocracia e os prazos orçamentários frequentemente tornam inviável a execução apressada dos recursos. Planejar o lançamento dos editais com calma, é a forma mais segura de garantir transparência e eficácia na aplicação dos valores.

Da emergência à política pública: o novo caráter da PNAB

A PNAB deixou de ser uma ação emergencial, como foi em sua primeira fase, e passou a ser uma política pública permanente. Essa mudança representa um marco importante para o setor cultural.

“A Lei Aldir Blanc deixou de ser emergencial e passou a ter caráter de política pública. Ela está garantida por cinco anos. Além disso, há a portaria que libera a contratação de assessorias — e cada município pode escolher o formato que considerar mais adequado. O problema é que muitas vezes empresas de outras regiões vencem certames e oferecem apenas atendimento online, o que compromete a qualidade do serviço. Esse é um processo que exige presença, acompanhamento e sensibilidade local.”

O alerta chama atenção para um ponto central: a política cultural é territorial. Sem acompanhamento próximo, perde-se a conexão com a realidade dos fazedores de cultura e das comunidades atendidas.

Capacitação: o eixo que sustenta a política cultural

A palavra que mais se repetiu ao longo da conversa foi “capacitação”. A falta de preparo técnico — tanto de gestores quanto de proponentes — é o que mais compromete a boa execução das leis de fomento.

“Tudo isso é fruto da necessidade de capacitação, Juliana. É preciso formar tanto o proponente quanto o gestor público. Ainda temos muitos gestores que não compreendem o que são a Lei Rouanet e a Lei Aldir Blanc, para que servem e como devem ser operadas. Muita gente ainda confunde esses recursos com verba municipal, quando na verdade são recursos federais. É fundamental ensinar o gestor a aplicar corretamente e o artista a elaborar projetos coerentes com a lei — com acessibilidade, prestação de contas, contrapartidas sociais e relevância cultural.”

A formação é, portanto, o ponto de equilíbrio entre arte e gestão, criação e responsabilidade. Sem ela, a política cultural se fragiliza e perde o seu propósito transformador.

O artista como profissional e agente social

Um dos trechos mais marcantes da conversa foi quando Ismail refletiu sobre a postura do artista diante das exigências burocráticas.

“O artista ainda tem resistência a lidar com a parte burocrática. Muitos acham que basta fazer arte, mas é preciso entender que são trabalhadores como qualquer outro. Criar é importante, mas também é necessário saber gerir, prestar contas e cumprir etapas administrativas.”

A observação é certeira: a profissionalização do setor cultural depende de um novo olhar sobre o fazer artístico — que una sensibilidade e responsabilidade social.

Desinformação, oficinas e o papel das oitivas

Entre as soluções apontadas, ele destacou o poder das oficinas formativas e das oitivas públicas como ferramentas de escuta e aprendizado coletivo.

“Todas as dificuldades que o agente cultural enfrenta vêm da desinformação — é o não entender o que é um edital. Tudo isso se resolve com capacitação. São as oficinas, as oitivas e os espaços de escuta que realmente fazem a diferença.”

Esses momentos, segundo ele, fortalecem o vínculo entre o poder público e os fazedores de cultura, e permitem que as políticas sejam mais humanas, participativas e eficazes.

Síntese: cultura, formação e pertencimento

Ao final da entrevista, fica claro que a Política Nacional Aldir Blanc é mais do que um repasse financeiro — é uma oportunidade de repensar o modo como a cultura é administrada e valorizada no Brasil. A execução técnica é apenas uma parte do processo. O verdadeiro desafio está em formar pessoas, promover entendimento e construir coletividade.

Capacitar é libertar: é garantir que cada artista, gestor e agente cultural compreenda que o recurso público é um elo entre a criação e a comunidade. E como bem resume o Ismail, “a cultura é pública, e o dinheiro também — o que se faz com ele precisa retornar em forma de arte, inclusão e pertencimento.”

Texto e Produção: Juliana Natal

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