Segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, denúncias do crime subiram de 27.821 em 2022 para 41.371 em 2023
A quantidade de pessoas que denunciaram casos de importunação sexual no Brasil cresceu quase 50% de 2022 para 2023, segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Os registros subiram de 27.821 para 41.371 de um ano para o outro. Por hora, em média cinco pessoas são vítimas do crime.
Em 2023, São Paulo liderou o número de registros, com 13.808 ocorrências, com uma taxa de 31,1 casos por 100 mil habitantes. O Distrito Federal tem a mesma taxa de 31,1 casos por 100 mil habitantes, enquanto o terceiro colocado no ranking, o Amapá, tem uma taxa de 30,1 casos por 100 mil (veja números absolutos abaixo).
Apesar do crescimento dos números de 2023 em relação a 2022, para o delegado da Polícia Civil de São Paulo e professor de criminologia na Academia de Polícia Civil do estado, Gustavo Mesquita, o maior desafio do crime ainda é a subnotificação.
“Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha ou falta de confiança na Justiça. Além disso, a falta de provas pode dificultar a punição, especialmente em locais de grande circulação, como transporte público, onde nem sempre há câmeras ou testemunhas dispostas a depor”, explica.
O delegado cita que outro problema é a relativização da conduta de muitas pessoas que minimizam esses crimes. Para ele, é necessário atuar em três frentes contra a importunação:
- Prevenção, com campanhas permanentes para conscientizar a sociedade;
- Repressão, com policiais preparados para agir rapidamente e com tecnologias como botões de pânico em transporte públicos; e
- Acolhimento, com delegacias especializadas e equipes treinadas para receber as vítimas, garantindo suporte psicológico e jurídico.
“Minha orientação é clara: denunciem. Se possível, busquem provas — vídeos, áudios, testemunhas. A importunação sexual é crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, uma vez denunciado, o agressor será investigado e pode ser punido, independentemente da vontade da vítima”, explica.
Conscientização
Mesquita observa que o aumento do número de casos em relação a 2022 demonstra um avanço da conscientização da sociedade. “Antes, essas situações eram toleradas ou vistas como ‘cantadas’. Mas o problema não está resolvido: ainda precisamos aumentar as condenações para que os criminosos sintam a consequência dos seus atos”, defende.
O especialista acrescenta que o tema não pode ser abordado apenas em datas específicas. “É preciso educação contínua, por meio de campanhas e programas, além de uma mensagem clara para os agressores: se cometer o crime, será punido. Quando o criminoso tem certeza de que será preso, ele pensa duas vezes antes de agir”, assegura.
Diferença entre assédio e importunação
Doutoranda em direito penal e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Jennifer Moraes explica a diferença entre assédio e importunação sexual.
“O delito de assédio sexual refere-se ao episódio em que um superior hierárquico, valendo-se da sua posição, subjuga uma pessoa para obter vantagem ou favorecimento sexual. O delito de importunação, por sua vez, é mais genérico, e engloba as situações em que qualquer ato libidinoso é praticado em detrimento de alguém, sem a sua anuência”, detalha.
Ela destaca que o assédio sexual costuma acontecer nas relações de emprego. Na avaliação de Moraes, o receio das vítimas em perderem sua posição ou se prejudicarem no mercado de trabalho é um dos principais desafios para a diminuição dos casos.
“Além disso, a falta de rede de apoio, somada a uma política corporativa que dificulta a denúncia e a investigação de condutas ilícitas, surge como um fator considerável de desestímulo, inclusive das testemunhas, que também precisam do emprego para subsistir e compartilham desse medo de retaliação”, pontua.
No caso da importunação sexual, os desafios são outros. “Dentre os principais, é possível citar o fato de que as condutas podem ser praticadas em locais sem testemunhas e/ou câmeras, bem como a falsa ideia, infelizmente ainda muito difundida, de que certas situações são toleradas socialmente, como um beijo ‘roubado’ no Carnaval”, cita.
Moraes afirma que a vítima deve se sentir segura para denunciar, sem ser humilhada e constrangida no decorrer da investigação, e defende que os agentes do Estado tenham capacitação para acolher e lidar com as ocorrências.
“Um outro aspecto fundamental é, sem dúvida, a conscientização coletiva. Em última pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 91% dos casos de violência contra a mulher foram cometidos na presença de terceiros. Há que se enfatizar que esses dois delitos são de natureza pública, ou seja, qualquer um pode denunciar a uma autoridade, não depende da persecução penal da vontade das vítimas”, diz.
Como denunciar
Os casos de importunação sexual e assédio sexual podem ser denunciados nas Delegacias de Polícia ou pelo número da Central de Atendimento à Mulher (180).
Em caso de emergência a Polícia Militar pode ser acionada pelo 190.
|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília