Escrevo este artigo com a convicção de quem viveu, na pele, as consequências da exclusão escolar. Desde cedo, enfrentei barreiras impostas pela falta de adaptação nas escolas regulares. Como pessoa com deficiência auditiva, muitas vezes fui privada da comunicação, do acesso pleno ao aprendizado e da experiência de pertencimento. As frustrações e reprovações não foram apenas números em boletins: eram reflexo de uma estrutura que, por não abraçar a diversidade, contribui para sentimentos de inadequação e isolamento.
Minha trajetória mudou quando ingressei em uma escola bilíngue de Libras. Mais do que o aprendizado acadêmico, encontrei ali a valorização da minha identidade surda. Foi nesse ambiente que resgatei minha autoestima, fortaleci minha confiança e percebi que a inclusão não é concessão e sim um direito.
Esse exemplo pessoal ajuda a ilustrar algo maior: práticas inclusivas não beneficiam apenas os alunos com deficiência. Elas transformam a escola inteira em um espaço mais justo, seguro e empático. Ao oferecer intérpretes de Libras, materiais adaptados e metodologias que respeitam as diferenças, diminuem-se os riscos de bullying, agressões e exclusão social. O respeito passa a ser regra, e não exceção. A violência, que tantas vezes nasce da incompreensão e da intolerância, perde espaço quando a diversidade é tratada como riqueza.
Outro impacto essencial está na saúde mental de crianças e adolescentes. A exclusão e a violência escolar estão diretamente associadas ao aumento de quadros de ansiedade, depressão e sofrimento emocional. Quando a inclusão acontece de forma real, ela se torna estratégia preventiva: ao garantir comunicação, participação e reconhecimento da identidade de cada estudante, a escola se torna também espaço de proteção e cuidado.
Não à toa, setembro carrega simbolismos que reforçam essa reflexão. No dia 23, o mundo celebra o Dia Internacional da Língua de Sinais e o Dia Internacional dos Surdos, instituídos pela ONU. No Brasil, o dia 26 é lembrado como Dia Nacional do Surdo, em alusão à criação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, em 1857, no Rio de Janeiro. E, ao longo da última semana completa do mês, entre 20 e 26, temos a Semana Internacional dos Surdos, período de mobilização global pela valorização da identidade surda e pela promoção de direitos.
Essas datas não são apenas marcos comemorativos. Elas reforçam a urgência de políticas públicas e de práticas pedagógicas inclusivas, que vão muito além de salas adaptadas: significam o preparo de profissionais, metodologias que respeitam diferenças e a construção de escolas onde cada criança possa aprender e conviver em harmonia.
Falo com a certeza de que uma educação inclusiva não transforma apenas trajetórias individuais, como a minha, mas o futuro de toda uma geração.
*Katelyn de Sousa Marquez é pedagoga, especialista em Libras e educação inclusiva, com experiência no atendimento a crianças surdas e com múltiplas deficiências. Formada pelo Instituto de Educação e Ensino Superior de Samambaia e pós-graduada em Libras pela Faculdade de Tecnologia Ícone, atua desde 2019 na Secretaria de Educação do Distrito Federal, desenvolvendo práticas pedagógicas adaptadas que promovem acessibilidade e aprendizado inclusivo.
Fonte da Informação | Karol Romagnoli
Assessora Sênior
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